«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O peito vermelho


Entre outras características, o grupo dos pré-rafaelitas distinguia-se por defender a uma enorme atenção a todos os pormenores constituintes da tela. A paisagem em fundo devia ser trabalhada com o mesmo cuidado que a figura principal.
Millais demorou cerca de nove meses a concluir a sua Ofélia. Pintou o maravilhoso fundo junto ao rio Hogsmill, no Surrey. A figura feminina (para a qual posou como modelo Elizabeth Siddal, descoberta um dia a costurar numa modista de chapéus, e que viria casar com Dante Gabriel Rossetti) foi trabalhada no estúdio do pintor.
O facto de Millais ter pintado durante cinco meses no exterior e a circunstância de ter querido incluir na imagem flores referidas na peça explicam que encontremos no quadro flores que abrem em diferentes alturas do ano.
Gosto muito de todas estas flores, sobretudo por formarem um conjunto inverosímil do ponto de vista temporal, mas o meu pormenor preferido é o pisco-de-peito-ruivo («robin redbreast» em inglês) junto ao canto superior esquerdo. É possível que Millais tenha ido buscá-lo a outro passo célebre (cena V do acto IV) de Hamlet, aquele em que Ofélia, igualmente transportando flores e entoando cânticos sinistros, a dada altura diz: «For bonny sweet Robin is all my joy.».
Não é só por gostar de pássaros que prefiro este pequeno elemento. É que, numa imagem com tantos pormenores, este pisco solitário passaria facilmente despercebido. Se não fosse pelo peito vermelho.

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