«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Livros em 2013




Gostei destes livros por serem tão pouco convencionais e tão diferentes do que se publica por aí (não só em Portugal, valha a verdade). Tanto Leonora Carrington como Jane Bowles tiveram existências invulgares, cheias de acidentes e reviravoltas, à semelhança das personagens destes livros. A diferença e as singularidades destas personagens e escritoras não são nem poses nem opções; são inevitáveis. Em vez de tentarem abafá-las, escritoras e personagens aceitam-nas, apesar de esta opção implicar efeitos imprevisíveis.
[A título de curiosidade, se li o livro de Leonora Carrington, mais conhecida como artista visual, foi porque o descobri aqui. Onde menos se espera está uma sugestão de boa leitura.]

 
Apesar de não ser a maior fã de Alice Munro (gosto, mas não é das minhas escritoras preferidas), cheguei a este livro depois de ler uma entrevista em que Munro o cita como obra-prima. Muito se falou este ano da valorização da categoria do conto implícita na atribuição do Nobel da Literatura a Alice Munro. The Golden Apples é um livro de contos que pode ser lido como romance se quisermos encaixar estes textos como num puzzle (tarefa que não é imprescindível e pode até ser considerada dispensável). Esta circunstância sugere uma certa porosidade nas fronteiras dentro do género narrativo.






Em boa hora o romance Speedboat, de Renata Adler, originalmente  publicado em 1976, foi recuperado na colecção da New York Review of Books (com um blogue muito recomendável), que propõe uma selecção primorosa  de livros um pouco esquecidos a que se pode recorrer com confiança quando se quer ler alguma coisa interessante. Em Speedboat reconheço uma atmosfera que recorda o filme Os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula. Imagino as personagens vestidas da mesma maneira, com um estilo casual, sem ser desleixado. Speedboat não é propriamente um livro de intriga política, mas a protagonista é jornalista. O traço distintivo deste romance é progredir por vinhetas em vez de assumir uma linearidade narrativa sem interrupções. Estabelece-se um contraste entre, por um lado, uma atmosfera de ansiedade intensa e, por outro, a extrema contenção do estilo: as maiores tempestades emocionais são tratadas com calma aparente.
 
Speedboat é um livro bastante diferente de Leaving the Atocha Station, de Ben Lerner. O segundo tem um narrador para o qual os episódios mais insignificantes são motivo de ataques de pânico ou de delírios ansiosos. Em comum entre os livros de Ben Lerner e de Geoff Dyer (que, aliás, escreveu sobre o romance de Lerner no Guardian), uma certa honestidade em relação aos efeitos da ansiedade. Dyer escreveu sobre a tentativa de escrever um ensaio sobre D. H. Lawrence. Uma das características que tornam este livro tão interessante depende da recusa corajosa de Geoff Dyer de se deixar limitar por fronteiras convencionais entre géneros. Distinguindo-se de um ensaio académico sobre literatura sobretudo pela atenção às impressões e experiências do seu autor, embora ao mesmo tempo escapando aos moldes tradicionais de géneros mais autobiográficos, Out of Sheer Rage explora os altos e baixos e os avanços e recuos da actividade de escrever, acabando assim por reflectir melhor sobre esta do que muitos textos académicos mais ambiciosos e supostamente mais sérios.


 
Este senhor escreve muito bem. É tudo o que há a dizer sobre este livro.





A ensaísta que mais li em 2013.




Filmes em 2013

Não se pode dizer que 2013 tenha sido um ano brilhante no que diz respeito aos filmes que estrearam em salas. Felizmente, destacam-se duas ou três excepções, houve reposições essenciais, estão à venda caixas preciosas e a Cinemateca continua a existir.



Os dois filmes que mais gostei de ver em sala foram duas magníficas reposições: Vertigo, de Hitchcock, e Viagem a Tóquio, de Ozu.

Por motivos académicos e por gosto pessoal, já vi mesmo muitas vezes alguns filmes de Hitchcock, entre os quais Vertigo. Não haja dúvida, no entanto, que ver este filme numa sala de cinema a sério revela quase um filme diferente. Temos de proteger os nossos cinemas, meus amigos.

Nunca tinha visto muito Ozu, mas sofri uma conversão instantânea à obra do cineasta quando vi Viagem a Tóquio. Uma das coisas mais admiráveis neste filme é a capacidade do realizador para gerir as diferenças de todos os elementos de uma família, com todas as suas crueldades ou bondades, evitando estereótipos e facilidades.  
 

AS QUATRO ESTREIAS EM SALA DE QUE MAIS GOSTEI


 
Like Someone in Love, Abbas Kiarostami

 
Em comum entre Ozu e Kiarostami encontramos os espaços cheios de objectos que tanto podem facilitar-nos a vida como ser obstáculos ou empecilhos no nosso caminho, fazer-nos perder tempo, ajudar-nos a explicar quem somos e como vivemos, ou até ajudar-nos a fingir que somos quem não somos. Interessam-me filmes que retratam o quotidiano e revelam elementos intrigantes na sua normalidade aparente, fazendo-nos prestar mais atenção à vida de todos os dias. (Não podia estar mais distante das pessoas que acham que o cinema que filma a vida de todos os dias é um não-cinema, como já li a propósito de alguns filmes de Alain Cavalier.)



 The Master, Paul Thomas Anderson

Personagens estranhíssimas, anti-heróicas, que estabelecem entre si relações difíceis de definir. Sobre que é este filme exactamente? Não sei responder nem acho a resposta muito importante.

 

 Frances Ha, Noah Baumbach


Um filme um tanto desequilibrado, com alguns ingredientes irritantes (Nova Iorque a preto e branco, certa ambição de ser o retrato de uma geração) que o transformam numa espécie de clássico instantâneo, Frances Ha consegue, ainda assim, ter momentos que muitos de nós já viveram, com destaque tanto para a sequência da viagem a Paris da protagonista, incluindo o jantar desconfortável que a desencadeia, como a sequência da procura de uma caixa multibanco que funcione quando é mesmo necessário levantar dinheiro.

Não tenho a certeza sobre a ideia, muito discutida a propósito deste filme, de que a dada altura da nossa vida precisamos de aceitar que nunca vamos ser quem queremos ser. De certo modo, seria mais fácil assim, mas não só o que somos e o que queremos ser está sempre em transformação, como também temos de lutar a vida inteira, todos os dias, para percebermos quem somos e quem realmente queremos ser. Não me parece que haja um momento na vida em que  podemos descansar desta tarefa.


 A Rapariga de Parte Nenhuma, Jean-Claude Brisseau

Um filme quase de terror, sobre a morte e outras forças negativas. Nenhum realizador vivo me assusta mais do que Brisseau.


OUTROS
Apesar de haver cada vez mais filmes iguais uns aos outros, totalmente previsíveis, este ano ainda foi possível ver em sala de cinema alguns filmes bastante invulgares.

-Dans la maison, François Ozon
-Stories We Tell, Sarah Polley
-Camille Claudel, Bruno Dumont
-Post Tenebras Lux, Carlos Reygadas
-Holy Motors, Leos Carax
-Fausto, Sokurov
-In Another Country, Hong Sang-Soo
-A Rapariga do 14 de Julho, Antoine Peretjako
-Vénus de Peles, Roman Polanski



 DVD
-Mélo, Alain Resnais
-Vous n’avez encore rien vu, Alain Resnais
-Un homme et une femme, Claude Lelouch
-Madame de…, Max Ophuls
-Bom Dia, Ozu

 




CINEMATECA, FESTIVAIS, ETC.
-Museum Hours, Jem Cohen
-I Walked with a Zombie, Jacques Tourneur
-Cortina Fechada, Jafar Panahi
-La Rencontre, Alain Cavalier
-The Woman in the Window, Fritz Lang

CAIXAS
-Victor Erice
- João César Monteiro

Vejo Erice como cineasta do Norte: do frio, do nevoeiro, da humidade, da luz cinzenta, dos casacos sobre camisolas – e de tudo o que se sente neste tipo de atmosfera que encontramos tanto em El Sur como em O Espírito da Colmeia. Quase fico contente pelo facto de El Sur não ter a secção mais solar e menos melancólica prevista inicialmente.

Nota Tenciono ver mais dois ou três filmes este ano, caso haja tempo e energia. Se for caso disso, essas referências hão-de aparecer aqui.


 

Outras coisas em 2013

ALGUMAS CANÇÕES
-Futile Devices, Sufjan Stevens

-Heartland Truckstop, Beth Orton
«Confidentialy speaking/all is at it seems»


-Valentine, Fiona Apple

-The Rip, Portishead
Estou viciada neste disco de 2008 em que só este ano reparei, eu que até aqui nunca gostei muito de Portishead.

 -Modern Drift, Efterklang

 
-The Heart’s a Lonely Hunter, David Byrne



PROVAVELMENTE OS DISCOS QUE MAIS OUVI ESTE ANO





 
 
 
PODCASTS DESCOBERTOS E APRECIADOS EM 2013

 
Brad Listi conversa com escritores ou pessoas ligadas à edição, muitas vezes sobre assuntos não necessariamente relacionados com a actividade de escrever, o que ocasionalmente desencadeia momentos interessantes. Também gosto dos monólogos de abertura destes programas.

 

Gosto sobretudo das emissões com artistas enquanto DJs convidados. Há programas com Brian Eno, Peter Gabriel, Patti Smith, etc. Muitas escolhas inesperadas.
 

 



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