Cinematograficamente,
ao que tudo indica (tenho sempre a esperança de alguma obra-prima me ter
escapado e é tão bom descobrir bons filmes alguns anos depois de terem saído), 2016 não foi um ano inesquecível, a não ser por causa de perdas
importantes, como Rivette e Kiarostami.
O filme
que estreou em 2016 que recordo com mais perplexidade (sempre um bom sinal) é L’Avenir, de Mia Hansen-Love. Não é
fácil escrever sobre os filmes desta realizadora. Uma das características de
que mais gosto neles é a atenção à existência de todos os dias. Podem ocorrer
pequenas ou grandes catástrofes, mas a vida continua sem espalhafato. Esta
resiliência é mais difícil de filmar ou traduzir em imagens do que se espera. Um
dos elementos de L’Avenir que mais
deram que falar – o facto de a protagonista parecer impermeável às perdas que
sofre – relaciona-se com a mesma posição estética (e ética). Estamos mais habituados a
personagens femininas e masculinas descontroladas
e desequilibradas – parecem mais interessantes, com mais potencial ficcional –,
mas é admirável que a realizadora enfrente corajosamente a opacidade da sua
protagonista, sem nada fazer para nos entreter ou distrair desta dificuldade.
A
protagonista de Julieta, de Pedro
Almodóvar, parecendo à partida muito diferente de Nathalie
(Isabelle Huppert) em L’Avenir, destaca-se igualmente pela
capacidade de sobrevivência, embora reagindo às adversidades de modo diferente.
Na obra de Almodóvar, este filme distingue-se pela sobriedade, sem, no entanto,
perder a crueza e violência emocional que o realizador é exímio a trabalhar.
Mais duas
personagens femininas intrigantes em filmes que nos deixam a pensar são Barbara
(Nina Hoss), no filme de Christian Petzold (2012), e Margaret (Lindsay Crouse),
em House of Games, de David Mamet
(1987). Estes dois filmes tão diferentes, o de Petzold desarmantemente simples
no artifício, o de Mamet mais lúdico e mais fascinado com labirintos mentais,
partilham o facto de terem protagonistas difíceis de ler. Questionamo-nos
durante muito tempo sobre as motivações destas mulheres também graças aos
desempenhos excepcionais das duas actrizes.
Em 2016
tivemos a sorte de ver mais um filme de Apichatpong (Cemitério do Esplendor), um dos realizadores no activo mais
originais e inesperados, com filmes que vejo sempre com curiosidade e um grande
interesse na capacidade deste autor de explorar simultaneamente várias
dimensões temporais sem se atrapalhar.
Intrigante
e inesperado continua a ser The Shining,
de Stanley Kubrick, um filme de 1980 que, no entanto, ainda surpreende, maravilha e causa alguma estranheza. É uma longa-metragem que admite diferentes descrições de acordo com
a perspectiva assumida. Diverte-me mais vê-lo como abordagem das dificuldades
de escrever. Isolados (escreve-se sempre sozinho), rabugentos, desgrenhados, frustrados
com a lentidão da actividade e com as próprias incapacidades, desorientados no
labirinto umas vezes vazio, outras demasiado ruidoso e povoado, da sua
imaginação, os escritores, à semelhança de Jack Torrance, recebem visitas
indesejadas de personagens ou pessoas do passado e do futuro – o presente, no
entanto, permanece inarticulável.
Ler sobre
estes filmes no Cinéfilo Preguiçoso: L’Avenir, Julieta, Barbara, House of Games, Cemitério do Esplendor e The Shining.