Tenho de reconhecer que foi um bom mês, do ponto de vista cinematográfico.
«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
Cinema em Janeiro
Tenho de reconhecer que foi um bom mês, do ponto de vista cinematográfico.
O Lear dos pássaros
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
Eu também vi filmes em Janeiro
1. Honra de Cavalaria, de Albert Serra
Digamos que comecei bem 2008, vendo este filme logo no dia um de Janeiro. (Aquilo que se faz no primeiro dia do ano é muito importante.) Tenho pena de não ter visto no écran de uma sala de cinema. Deve ser uma experiência verdadeiramente esmagadora. Mesmo em DVD, é um filme magníco.
2. Le Diable Probablement, de Robert Bresson
Deste não falo, pois fiz um pequeno voto de silêncio em relação a Bresson neste blogue.
Do ponto de vista ideológico, este filme pode ser descrito como defesa e glorificação do Ku Klux Klan. É preciso um certo esforço para conseguir dominar a indignação perante algumas sequências. Houve, no entanto, uma característica a que, à falta de melhor adjectivo, chamarei «estética», que me chamou a atenção: é possível localizar a presença de pelo menos uma vela acesa em quase todos os planos que mostram o interior de casas.
Esta circunstância lembrou-me de imediato uma tela de Lorenzo Lotto, intitulada Retrato de Jovem sobre Cortina Branca, que inclui uma intrigante lâmpada acesa (minúscula e quase imperceptível, no canto superior direito) que causa a fúria de muitos comentadores que se irritam contra a própria incapacidade de encontrar uma explicação plausível para a presença dela ali.
4. Jeanne d’Arc, de Dreyer
Já falámos sobre este.
Gostei imenso deste truque de colocar o protagonista a narrar a história num comboio em andamento.
7. O Fantasma da Liberdade, de Luis Buñuel
8. Three Seasons, de Tony Bui
Para quem gosta de flores de lótus brancas.
Hitchcock considera este filme demasiado «romanesco», mas, para mim, Rebecca inclui algumas das sequências mais belas da sua obra: o início do filme, com a câmara a percorrer os caminhos que levam a Manderley, enquanto se ouve a protagonista em voz-off; a noite do baile de máscaras; o incêndio final em Manderley.
Se não temos cuidado, a história da nossa vida passa a ser a história da violência a que nos submetemos diariamente para esquecer aquilo de que desistimos e que era o que mais queríamos fazer. Manchas de sangue em punhos brancos.
11. Blackmail, de Alfred Hitchcock
Tão cedo não volto a falar de cinema
Dissolução de fronteiras
domingo, 27 de janeiro de 2008
We are waiting for the summer
Neste álbum, gosto em especial da faixa You Come Through. É uma daquelas músicas que me imagino a ouvir no carro, em viagem sem grandes objectivos nem horas marcadas, naqueles dias em que começa a anoitecer muito tarde.
Distracções de Janeiro
sábado, 26 de janeiro de 2008
Notas sobre o cinematógrafo
(Excelente entrevista do André Dias à realizadora Angela Schanelec, no programa da mostra do cinema da Nova Escola de Berlim.)
O direito e o torto
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
Pela blogosfera fora
Livros que (ainda) não li
Este ano, a vencedora do Costa Award para o primeiro romance, foi Catherine O’Flynn, com o livro What Was Lost, que não recebeu o Costa Book of the Year, embora fosse considerada uma forte candidata. Como Catherine O’Flynn não sofria de fobias ou de qualquer doença exótica, jornalistas e responsáveis de marketing trataram de enumerar as profissões invulgares que a autora foi desempenhando ao longo dos seus 37 anos de vida: carteira, funcionária de uma loja HMV (uma espécie de Fnac sem livros), professora e cliente-mistério.
Bem sei que há aqui uma lição a retirar sobre as técnicas de marketing do mercado livreiro (para sua promoção, convém que o novo escritor se distinga por uma excentricidade qualquer), mas não pude evitar divertir-me com esta lista e com algumas declarações da escritora numa entrevista em que o tema foi focado:
There's something about being excruciatingly bored, or having to put up with an inordinate amount of rubbish for £5.50 an hour that really crystallises your thoughts and feelings about life. It's a difficult thing to pull off though - it has to be just the right kind of bad job. Too bad and it depresses you too much to write, too comfortable and you become too complacent and don't write either.
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
Ironias do mercado
Parece-me que descrições como «grande romance», «obra-prima», etc., apesar de rótulos práticos para alguns tipos de crítica literária, podem concentrar certos critérios (pouco explícitos) de gosto convencional e, por conseguinte, correr o risco de deixar escapar livros com características menos usuais.
Quando li Atonement/Expiação, dos livros que Ian McEwan tinha escrito até ali só não tinha lido ainda The Child in Time e The Innocent. Depois de Atonement, romance de consagração, ainda não tive vontade de ler mais nada dele. Receio que, assim como os mecanismos da recepção crítica a McEwan se foram reformulando e ajustando a um cânone que os próprios livros do escritor ajudaram a transformar, também McEwan tenha reconfigurado a sua escrita para se aproximar dos critérios convencionais de consagração, perdendo neste processo alguns dos traços que tão interessantes tinham tornado os seus livros no início.
domingo, 20 de janeiro de 2008
Coisas que não consigo compreender
Na imagem, nova edição do volume de memórias da escritora (colecção Folio da Gallimard, 7.40 €), livro que, apesar de tudo, ainda não perdi a esperança de um dia lá ver.
sábado, 19 de janeiro de 2008
Livros, gatos e café
Believe it or not, a Ana conhecia o gato da livraria em frente à Igreja de S. Roque, sendo até a feliz proprietária desta magnífica fotografia do guardião do misterioso espaço.
A propósito de livrarias, ainda não fui à Byblos, nem tenciono ir tão cedo, mas estou muito curiosa em relação à Trama, lá perto, na Rua de São Filipe Nery, 25 B (ao Rato). Sempre é um sítio em que é possível tomar um café chamado Pascal Quignard.
Lemas de fim-de-semana
Fallen Snow, Au Revoir Simone: letra, vídeo
(também gosto muito desta música e deste vídeo)
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Malefícios do zapping
Para quando uma série intitulada Livros, Gatos e Chocolate? Para quando colunas regulares sobre viagens, pássaros, jardins, artes visuais ou passeios a pé nas cidades?
O valor decorativo dos relógios
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
Pétalas brancas, fundo escuro
IN A STATION OF THE METRO
The apparition of these faces in the crowd:
Petals on a wet, black bough.
Recados em atraso
Por falar em gatos, um texto de Fernanda Botelho que me foi dedicado pela Ana.
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
A viagem
A reacção da personagem feminina à morte do marido recordou-me imediatamente o enredo-base do filme Sous le Sable, de François Ozon, em que, depois de o marido desaparecer numa praia, a personagem de Charlotte Rampling continua a agir como se ele ainda vivesse com ela.
Percebo bem este tipo de comportamento: revelar uma informação deste género contribui para confirmar não só a sua realidade mas também a da dor que ele nos provoca. Imagino, porém, que no conto de Edith Wharton não se trate apenas de um problema de negação das evidências. A personagem de Wharton percebe rapidamente que, para além de ter de lidar com a dor que não começou ainda a sentir, se verá obrigada a resolver e dar andamento a todos os insuportáveis pormenores concretos inerentes à situação. A vida vai continuando, o comboio avançando, mas ela prefere fazer operar uma espécie de suspensão temporária de funções vitais e de obrigações, como se, entretanto, nada de mais importante pudesse ocorrer do que a chegada da dor.
Se não me engano (não tenho o livro comigo), há também um conto de Raymond Carver intitulado «Três Rosas Amarelas» que se inspira nos últimos dias de Tchékhov, e em que, perante a morte do escritor, a companheira pede ao médico que assina a autópsia para não divulgar logo essa informação, de modo a garantir algumas horas que lhe permitam despedir-se do marido em paz e sossego.
domingo, 13 de janeiro de 2008
Dreyer e o humor
Não estou a falar dos ruídos inevitáveis. Já se sabe: há sempre alguém que tosse, ou é viciado em rebuçados com pratinhas, ou mexe em sacos, ou adormece e ressona. Estas coisas já deixaram de me irritar.
Por mais que tente, no entanto, e, a sério, já tentei muito, não consigo encarar com naturalidade que se passe um filme inteiro a fazer comentários (argutos ou estultos, não interessa) para o parceiro do lado, mesmo que com o objectivo meritório de o impressionar.
Sessões de fim-de-semana, ou próximas do fim-de-semana, são sessões de risco. Na sexta-feira, antes do filme La Passion de Jeanne D’Arc, de Dreyer, quando o casal discutindo grandes questões sobre o relacionamento homem-mulher se sentou ao meu lado, bem suspeitei que se trataria de um par avaliando possibilidade de futura relação. Apesar disso, não troquei de lugar.
Nesta sexta-feira em particular, parece-me que estava um pouco abatida. Até fiz um esforço sincero por detectar o elemento humorístico do julgamento sempre que o casal ao meu lado achava engraçadas as respostas com que a pobre Jeanne D’Arc resistia às perguntas manipulativas, chantagens e ameaças de tortura dos juízes, mas, infelizmente para mim, não fui capaz.
Pássaros, esquilos e compota de maçã
Em Wittgenstein, a actividade filosófica foi sempre acompanhada por uma forma de vida em estrita correlação com ela. Para ele, não havia propriamente fronteiras entre questões filosóficas, estéticas, morais ou existenciais. Neste sentido, saber como ele era, como vivia, não corresponde apenas a um impulso gratuito de curiosidade em relação à vida alheia. Conhecer a sua forma de vida ajuda-nos a compreender a sua filosofia.
A entrada de 25 de Setembro de 1950 (p. 112) é particularmente adequada para ilustrar o que estou a dizer. Durante um passeio pelos prados de Oxford, a conversa entre Wittgenstein gira em torno de vários temas aparentemente desprovidos de importância: a arquitectura da região, algumas árvores (as sequóias), Elizabeth Anscombe ou os hábitos de certos aves comuns de Inglaterra (o tentilhão, o chapim, o pintarroxo, o cardeal, o cisne), algumas delas avistadas no percurso. A dada altura (p. 114), Bouwsma conta:
«W. deu de comer a um esquilo que estava debruçado de uma árvore e acariciou-o ao colo. […] Falou do facto de o esquilo castanho (penso eu) ter desaparecido da Europa. E depois dos nossos esquilos castanhos e cinzentos.
Enquanto passávamos por Merton, admirou uma pequena árvore com as folhas avermelhadas, e voltou a chamar a atenção para a torre de Merton e para a idade da capela. […]
À ceia comeu compota de maçã, mais tarde falou das nozes-de-coco – do seu sabor. Não gosta dos frutos da família do melão – abóboras, melões, pepinos.»
Com apontamentos aparentemente tão insignificantes quanto estes, o livro de Bouwsma ensina-me mais sobre Wittgenstein do que páginas e páginas de comentários sobre o Tractatus e as Investigações Filosóficas, redigidas com ambições académicas por especialistas em Wittgenstein.
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
Coisas que não acontecem em Lisboa
«finally, we dipped gratefully into a box of giveaway books, including a 1902 The Rape of the Lock illustrated by Aubrey Beardsley, left outside a house in the Oxfordshire village of Pyrton.»
Imagem: Ilustração de Aubrey Beardsley para The Rape of the Lock
Provavelmente
No filme Branco, de Kieslowski, há uma cena muito parecida. Não me lembro bem se se passa num cemitério, pois já não vejo o filme há muito tempo. Um amigo dispara contra outro para lhe fazer a vontade. Não lhe interrompe uma frase mas dispara logo a seguir à resposta afirmativa à pergunta «Tens a certeza?». (Lembro-me bem de ver o filme pela primeira vez, no cinema: com o tiro, dei um salto na cadeira e a pessoa ao meu lado também.)
Não faço ideia se Kieslowski conhecia bem este filme de Bresson. De qualquer modo, no filme Branco, a bala é falsa. O objectivo do amigo era fazer mudar de ideias aquele que queria morrer e o susto deste é tão grande que percebe não ser a morte afinal aquilo que realmente deseja. No filme de Bresson, ouve-se o tiro e o protagonista cai. O filme acaba pouco depois.
domingo, 6 de janeiro de 2008
Deambular, recolher, guardar, esconder
Eu tive uma tia-avó assim. Acumulava tecidos, rendas, linhas e botões numas águas-furtadas, na esperança de um dia vir a usá-los em costura. Não gostava de deitar fora nada. Fotografias, documentos e correspondência antiga da família estavam guardados no sótão. Um dia, a minha avó quis queimar a papelada toda para que segredos antigos e bem guardados não fossem descobertos pelos herdeiros que não os conheciam e os segredos desvaneceram-se em cinzas, para grande desgosto da minha tia.
Já pensei muitas vezes que há certas semelhanças entre manter um blogue e a obsessão compulsiva de acumular coisas inúteis e acho até que pode haver uma relação entre algumas manifestações artísticas e este tipo de comportamento. Estou a lembrar-me, por exemplo, das exposições de Rauschenberg e Lucia Nogueira, em Serralves, que visitei no último domingo de 2007. Estes dois artistas trabalharam com objectos encontrados, rejeitados ou perdidos por outros. Para as obras desta exposição, Rauschenberg recorreu a caixas de cartão, diferentes tipos de tecido, cordas, madeiras, couro, pedra, tubos e cabos eléctricos, para além de objectos como cadeiras, jarras, almofadas, uma banheira velha e pedaços de metal usado.
Lucia Nogueira construía as suas obras com materiais e objectos que encontrava nos passeios que dava em Londres: fragmentos de vidros azuis e brancos, esferas misteriosas, armários, arquivadores, fósforos, um lavatório de porcelana, frigoríficos desligados, cabos de borracha, uma campânula transparente, um triciclo de criança parcialmente desmontado. A relação destes objectos com o espaço era uma questão importantíssima no trabalho posterior desta artista. As esculturas parecem ser atraídas pelos cantos, fazem fila quase imperceptível ao longo de paredes. O facto de Lucia Nogueira usar muitas caixas, armários, gaiolas com a porta virada para a parede (e, portanto, inacessível), enquanto a parte de trás se encontra exposta, transmite a sensação de haver neles coisas capturadas, fechadas ou escondidas, que talvez seja preferível não ver.
Objectos e materiais parecidos com aqueles que alguns bloggers usam. Estratégias que nenhum blogger pode afirmar desconhecer.
Imagem: Ends without End, instalação de Lucia Nogueira, 1993
sábado, 5 de janeiro de 2008
Ornitologia para 2008
Desde a época vitoriana que os piscos-de-peito-ruivo figuram nos postais de Natal ingleses. À associação destes pássaros ao Natal não terá sido alheia a visibilidade das avezinhas neste período do ano: os piscos-de-peito-ruivo procuram parceiros em Dezembro, devendo já tê-los encontrado no Ano Novo. Na origem, a imagem dos piscos terá também sido usada como uma espécie de símbolo dos carteiros, que então usavam uniformes com uma cor semelhante à do peito destes pássaros. A presença de piscos nos postais representava, neste contexto, votos de boas novas.
No fim de 2007, uma das grandes estrelas do Natal dos jornais ingleses foi um pisco que um birdwatcher amador avistou no próprio jardim. Era um pisco albino, com o peito branco e não vermelho. Um representante da Royal Society for the Protection of Birds chegou a afirmar que em trinta anos de actividade sistemática de observação de pássaros nunca tinha visto nada assim. O fotógrafo esteve horas à espera para conseguir esta fotografia. Coloco-a aqui como emblema de boa sorte e de felicidade para 2008.
Para quem, como eu, simpatizar com estes pássaros e com jardins, há também um livro delicioso, de Frances Hodgson Burnett, intitulado The Secret Garden, em que um pisco-de-peito-ruivo desempenha um papel fundamental:
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