«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

«Os sentidos são a nossa ponte entre o incompreensível e o compreensível»

Woman in a Green Jacket, 1913

«Ideias incompreensíveis têm formas compreensíveis.», escreveu August Macke em 1912. Não só concordo, como acho que é necessário procurar as formas compreensíveis do que é incompreensível: do indizível e do incompreensível só vale o que é dizível e compreensível.
(Por outras palavras, por muito imperfeitos que sejam os resultados finais dos nossos esforços para dizer e compreender alguma coisa, qualquer resultado final é infinitamente superior a nenhum resultado final.)


A grande sala real

Gosto muito da carta que que Sá-Carneiro envia a Pessoa a 24 de Agosto de 1915, exposta na sala dedicada a Mário de Sá-Carneiro da exposição Weltliteratur. No estilo extravagante que o caracteriza, Sá-Carneiro revela ali uma lucidez extraordinária não só relativamente à importância que Pessoa terá na literatura portuguesa, mas também ao lugar que ele próprio nela virá a ocupar.
O escritor que descreve a própria obra como «beleza retumbante de destaque e brilho, infinita de espelhos, convulsa de mil cores - muito verniz e muito ouro: teatro de mágicas e apoteoses com rodas de fogo e corpos nus. Medo e sonambulismo, destrambelhos sardónicos cascalhando através de tudo» é capaz de perceber muito antes de todos que Pessoa virá a ser uma espécie de marco de grandeza de uma literatura, o nome que toda a gente terá de pronunciar quando falar de literatura portuguesa: «toda uma civilização é, meu querido Amigo, o que você hoje perturbadoramente se me afigura», «o Prometeu que dentro do seu Mundo Interior de génio arrastaria toda uma nacionalidade: uma raça e uma civilização». E também de compreender que o seu próprio lugar se definirá por relação com Pessoa: «é você a Nação, a Civilização - e eu serei a grande Sala Real, atapetada e multicor - a cetins e esmeraldas - em douraduras e marchetações».
Esta carta é de uma clarividência esmagadora.


Pleure qui peut, rit qui veut


Lola, de Jacques Demy, Marseille, de Angela Schanelec, L’heure exquise, de René Allio.
Extremamente labiríntica na minha cabeça, Marselha vai-se aproximando perigosamente do estatuto de cidade-fetiche.

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