Make mistakes faster.
(via An Incomplete Manifesto for Growth, de Bruce Mau)
«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk
As mãos de James Stewart sujas de maquilhagem, a mancha azul nas costas da mão do espião,
destacam-se como fragmentos desarticulados da continuidade da acção, manchas vazias, gratuitas, episódios sensoriais que captamos antes de percebermos exactamente para que servem, o que são.
Pouco depois, neste filme, já em Londres, também gosto muito da visita de James Stewart ao taxidermista, toda uma sequência desnecessária do ponto de vista da progressão narrativa.
Interpretando mal uma indicação, James Stewart, em busca de informações sobre o filho sequestrado, faz uma visita a uma pessoa que depois descobre ser o proprietário de um estabelecimento de taxidermia. A troca de mal-entendidos que se processa no estranho espaço, com os animais empalhados e as movimentações dos funcionários em pano de fundo, é absolutamente hilariante. A dada altura, proprietário e funcionários começam a desconfiar do inocente James Stewart e a discussão intensifica-se.
James Stewart, ainda mais confuso do que antes, vê-se obrigado a fugir. A acção principal do filme pode, então, prosseguir.
A mim, a fome da rapariga francesa deste cartoon sempre me fez recordar a voracidade sanguinária da menina do quadro de Magritte. Depois de descobrir que Glen Baxter é um grande admirador do pintor surrealista belga nunca mais deixei de acreditar que podia ser a mesma personagem, apenas mais velha, mais gorda, mais mal vestida e algo desorientada.
Gostar de pássaros a ponto de os ingerir crus nunca há-de levar ninguém muito longe, parece-me.
Apesar de esta visita lhe causar alguma estranheza, a personagem não tem tempo sequer para a manifestar. Descendo pela chaminé, uma nuvem de pássaros invade a sala, cercando e atacando com violência todos os seres humanos que se encontram lá.
Depois do ataque, a dona da casa tenta devolver a ordem à habitação, recolhendo com muito cuidado todos os fragmentos das chávenas, um a um.
No dia seguinte, a mesma personagem tem de visitar um vizinho. Como ninguém lhe responde quando bate à porta, decide avançar. Antes de percorrer um corredor longo e sombrio para encontrar aquele que procurava morto e de olhos vazados por pássaros, descobre o primeiro índice da desordem em que os pássaros deixaram a casa na cozinha, logo à entrada.
No conto de Daphne du Maurier, a visão das chávenas e a arrumação da cozinha ajudam o protagonista a acalmar-se depois do combate nocturno com os pássaros que tinham invadido o quarto dos filhos («The sight of the kitchen reassured him. The cups and saucers, neatly stacked upon the dresser, the table and chairs, his wife’s roll of knitting on her basket chair, the children’s toys in a corner cupboard.»).
Tanto no texto como no filme, as chávenas funcionam como elemento associado ao humano, e os pássaros como elemento que introduz o caos, revelando a ausência de racionalidade e de sentido no universo.
Um dos passos mais inesquecíveis do conto tem a ver com o primeiro confronto do protagonista com esta força inumana incompreensível e incomensurável, ao ponto de diluir as coordenadas espácio-temporais:
«How long he fought with them in the darkness he could not tell, but at last the beating of the wings about him lessened and then withdrew, and through the density of the blanket he was aware of light. He waited, listened; there was no sound except the fretful crying of one of the children from the bedroom beyond. The fluttering, the whirring of the wings had ceased.»
Há qualquer coisa neste passo da luta entre Jacob e o Anjo.