Em 2007 o Booker Prize foi atribuído a
The Gathering, de Anne Enright.
(Publicado em Portugal pela Gradiva, com o título Corpo Presente.) Os resumos na contracapa e as referências nos jornais que descreviam este romance como o retrato de uma família que vale também como retrato de um país contribuíram para me afastar dele durante bastante tempo.
Cheguei ao livro porque por acaso alguém citou
a última frase e gostei dela. Folheei-o depois numa livraria. A primeira frase também é muito boa. O livro de Anne Enright começa assim:
«I would like to write down what happened in my grandmother’s house the summer I was eight or nine, but I am not sure if it really did happen.»A leitura do que se segue lembra-me que a vida acontece sem relações de causa/efeito, sem advérbios de modo e sem marcadores temporais. Contar histórias não é um mecanismo literário gasto: é aquilo que, dentro ou fora da literatura, fazemos para compreender. Sem contarmos histórias não teríamos a certeza se certos episódios sucederam realmente, nem saberíamos explicar quando, como, onde, ou por que razão aconteceram.
Anne Enright Logo na segunda página, a narradora diz:
«I do not know the truth, or I do not know how to tell the truth.»
Dentro e fora da literatura, a verdade é aquilo que uma narração vai construindo discursivamente.
Aceito que a dificuldade reside na zona movediça que a necessidade de contar histórias instala entre ficção e vida real: tanto a ficção como a vida consistem em coisas que sentimos necessidade de contar e de articular em narrativas. A questão é que talvez seja precisamente esta indistinção que nos faz continuar não só a ler, mas também a viver e a contar histórias sobre isso.