«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

segunda-feira, 30 de março de 2009

Cecil B. DeMille em Lisboa

Quem, como eu, teve a brilhante ideia de descer a Avenida da Liberdade em direcção ao Chiado no sábado de manhã viu-se envolto numa nuvem densa e rodopiante de sementes de plátano (ou de ulmeiro, não sei bem), e tossiu e espirrou durante pelo menos meia hora, com os olhos a lacrimejar.
Parecia uma praga do Egipto.


Sementes e ilhas


Mais tarde, caso tenha visitado a exposição sobre Darwin, da Gulbenkian, pode ter descoberto também as seguintes instruções num excerto de uma carta enviada por Darwin a um naturalista português:

Nos Açores deve existir um farol e os pássaros têm uma grande tendência para chocar com essas construções. Depois de se recolher as aves mortas, deve-se examinar-lhes as patinhas e retirar os grãos de terra que estas possam guardar. Quando se coloca esta terra numa redoma germinam nela sementes vindas dos outros sítios do mundo por onde os pássaros andaram. É importante analisar as plantas que aí possam crescer.

[Citado de memória]


quinta-feira, 26 de março de 2009

Preocupaçõezitas de fim-de-semana

Estive a pensar bem e cheguei à conclusão de que nenhum dos realizadores de que gosto incondicionalmente me quereria nos seus filmes.
Por outro lado, tenho de reconhecer com alguma contrariedade que encaixaria na perfeição em alguns filmes de realizadores em relação aos quais tenho sentimentos ambíguos.
Não vou dizer nomes.

Estranhamente ou talvez não, é sempre muito mais difícil gostarmos do que está próximo de nós.
Por outras palavras, existe uma certa distância entre nós e o que amamos.


Algo não domesticado

An unusually handsome lithe young fellow, and an unusually handsome lithe girl; much alike; both very dark, and very rich in colour; she of almost the gipsy type; something untamed about them both; a certain air upon them of hunter and huntress; yet withal a certain air of being the objects of the chase, rather than the followers. Slender, supple, quick of eye and limb; half shy, half defiant; fierce of look; an indefinable kind of pause coming and going on their whole expression, both of face and form, which might be equally likened to the pause before a crouch or a bound.

Encontro esta descrição admirável em The Mystery of Edwin Drood, o romance que Dickens deixou por terminar, assim dando origem a páginas e páginas de especulações intermináveis sobre o destino das suas personagens.


Cinema em estado puro



O Canto dos Pássaros, de Albert Serra


sexta-feira, 20 de março de 2009

Suspensão de vida

Durante mais de setecentas dias e setecentas noites, entre 2007 e o início de 2009, tive alguns livros permanentemente a meu lado, junto à secretária. Convinha-me tê-los à mão porque os consultava a todos quase diariamente.
Um desses livros tinha na capa uma imagem a preto e branco de um filme a cores de Bresson que não só eu nunca tinha visto como já tinha desesperado de ver.
Vi esse filme ontem. As cores são mesmo muito importantes: o rapaz que aparece na imagem, protagonista do filme, é pintor.
Acho que nem pestanejei nem respirei durante os breves segundos em que a imagem que está na capa do livro apareceu no écran.

O protagonista sai da cama, vai à janela, olha para cima e observa a chuva a deslizar pelo vidro.
Já na cena seguinte, depois de voltar a respirar, juro que os meus últimos dois anos me passaram velozmente à frente dos olhos, como acontece aos afogados.

Figuras femininas em Bresson e exclusão

Perante a protagonista de Quatre nuits d’un rêveur, e pensando nas figuras feminas de outros filmes de Bresson, nomeadamente Procès de Jeanne d’Arc, Pickpocket, Le Diable Probablement, Au hasard Balthasar, Une femme douce ou até Lancelot du Lac, chego a três conclusões não muito interessantes.

Apesar de Bresson ter declarado várias vezes que costumava escolher os actores/modelos através de conversas por telefone por achar que, no cinematógrafo, o som da voz é mais importante do que a aparência, quase todas as mulheres que aparecem em papéis dignos de nota nos filmes do realizador correspondem a um mesmo tipo físico com traços delicados e miudinhos.

O tipo feminino que Bresson gosta de filmar está nos antípodas do de María Casares, actriz com que o realizador teve vários conflitos durante a rodagem de Les Dames du Bois de Boulogne. (Não chego ao ponto de dizer que Bresson procurou a maior distância possível de María Casares em todas as mulheres que filmou – muito embora quase acredite nisso.)

Uma vez que fisicamente estou muito mais próxima de María Casares do que das outras mulheres que o realizador francês filmou depois, fico com a certeza (terrível) de que nem sequer como figurante poderia alguma vez aparecer num filme de Bresson.


Imagem: Isabelle Weingarten, Marthe em Quatre nuits d’un rêveur

segunda-feira, 16 de março de 2009

Barcas novas (reprise)

A terceira parte do post anterior foi ilustrada com as imagens em falta.

sábado, 14 de março de 2009

Barcas novas

Três filmes que terminam com passeios de barco (ou planos de lago vazio depois de um passeio de barco):

Céline et Julie vont en bateau, de Jacques Rivette (1974)


Happy-go-lucky, de Mike Leigh (2008)


Passei o Verão em Berlim, de Angela Schanelec (1993)

Agora que já tenho imagens, completo o contexto.



Durante um encontro numa esplanada vazia em frente a um lago com um editor que parecia interessado no que ela tinha escrito, mas afinal decidira não a publicar, a personagem principal (representada pela própria realizadora) sugere que vão ambos dar antes um passeio de barco.


Desejos de fim-de-semana

Um colar de coral vermelho e cerejas cristalizadas.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Quinta frase, p. 161


Respondendo ao desafio que me foi colocado aqui, cito de The Shadow of the Sun, de A. S. Byatt, que acabei de ler ontem.
Descontextualizada, a quinta frase parece intrigante, mas regras são regras:
«Underwear will do.»

Na introdução explica-se que o livro foi inicialmente publicado com o título Shadow of the Sun. Como era o seu primeiro romance, A. S. Byatt aceitou calmamente a eliminação do artigo «the» do título, proposta por Cecil Day Lewis, da Chatto and Windus.
Mais tarde, porém, quando já era uma escritora consagrada, fez questão de repor o título original, argumentando que «The sun has no shadow, that is the point. / You have to be the sun or nothing.»

O sol de A. S. Byatt neste livro é, segundo ela própria, muito influenciado pelo sol de Van Gogh. É sempre muito interessante reflectir um pouco sobre a influência das artes plásticas na prosa deste escritora. Nunca se trata de escrever sobre imagens, espaços ou personagens vindos directamente da tela dos pintores que a inspiram. Das telas ficam as cores, os movimentos, aquilo da visão de A. S. Byatt que a escritora descobre ter em comum com a visão dos artistas.

Pessoalmente, prefiro os contos e os ensaios desta escritora aos seus romances. Mas este romance é muito bom.

Imagem: Cornfield by Moonlight with the Evening Star, Samuel Palmer, c. 1830, reproduzido na capa da minha edição.


segunda-feira, 9 de março de 2009

Os filmes de Angela Schanelec

De Tarde

A partir de quinta-feira, até domingo, na Culturgest.


Uma oportunidade única para conhecer melhor o cinema desta realizadora alemã.


Programação: André Dias


sexta-feira, 6 de março de 2009

Receitas

Nem diários, nem cartas. Os únicos cadernos que a minha avó guardava eram de receitas, algumas apontadas por ela, outras pelo meu avô, que tinha uma caligrafia muito bonita, embora difícil de decifrar.
De certa forma, é possível encontrar nestes cadernos um registo fiel do quotidiano dos meus avós. Não só aquilo que comiam todos os dias, mas também parte do que se passava entre as refeições, sobretudo na vida da minha avó: os períodos de escolha, as compras, a preparação dos pratos, o tempo de espera enquanto a comida estava no forno ou ao lume, os sonhos por entre tudo isto.
Da última vez que visitei a casa dos meus avós, fiquei incomodada com o vazio daquele sítio que costumava estar sempre cheio de gente. A toda a hora me parecia sentir chegar alguém com coisas para contar ou perguntas a fazer. Um cão ou um gato dos muitos que por lá foram morando.
Se ao menos me tivesse lembrado dos livros de receitas.


terça-feira, 3 de março de 2009

As minhas aventuras com Peter Carey

Enquanto Jack Maggs é um dos melhores, mais bem pensados, mais bem escritos, romances que li nos últimos tempos, Theft, a Love Story é dos mais inúteis e dispensáveis. Tentar escrever à Faulkner, com uns laivos de John Banville à mistura, dá nisto, ainda que se escolha um tema tão interessante como as falsificações em arte.
A questão das influências, mal ou bem digeridas, explícitas ou implícitas, tem muito que se lhe diga.
As minhas aventuras com Peter Carey ainda não vão ficar por aqui, apesar de tudo. Há um Oscar and Lucinda à minha espera na estante. Vai é continuar à espera durante algum tempo.


Anatomia, Botânica





Em caso de incêndio, as pinhas são perigosas, pois explodem, projectando faúlhas que podem ser lançadas a quilómetros de distância devido ao vento, levando o fogo para mais longe, e em várias direcções.

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