Cristina, sem querer sugerir que há uma relação de causa/efeito entre Caravaggio e Bresson, como achaste melhor salientar, mais um pormenor de Caravaggio que outra entrevista de Bresson, desta vez a Michel Ciment, me fez lembrar.
Num passo da entrevista, Bresson refere-se aos planos, muito criticados por alguns, de pernas de pessoas sobre os passeios em L’Argent, lembrando comentários depreciativos semelhantes a propósito de planos de patas de cavalos em Lancelot du Lac.
(Para Bresson, estes planos têm a ver com uma questão de ponto de vista e de percepção: «In everyday life, we often look down at the ground as we walk, or perhaps a bit higher, but we don’t necessarily look everyone full in the face […]». No caso específico de Lancelot du Lac, queria sobretudo chamar a atenção para a força muscular dos animais.)
A referência a estes planos de Lancelot du Lac trouxe-me à memória A Conversão de S. Paulo, de Caravaggio, onde também a metade inferior do cavalo é bastante enfatizada.
A referência a estes planos de Lancelot du Lac trouxe-me à memória A Conversão de S. Paulo, de Caravaggio, onde também a metade inferior do cavalo é bastante enfatizada.
Há uma história engraçada a propósito deste quadro de Caravaggio. A Conversão de S. Paulo foi uma encomenda da Igreja de Santa Maria del Popolo. Quando concluído, chegou a ser considerado um pouco provocatório pelo facto de o cavalo ocupar quase todo o espaço da tela, em detrimento da figura do santo.
Conta-se que um padre dessa igreja perguntou a Caravaggio: «Por que razão colocaste o cavalo no centro e S. Paulo por terra? Este cavalo é Deus?».
Ao que Caravaggio terá respondido: «Não, mas está na luz de Deus».
Não sei se Bresson conhecia o episódio, mas palpita-me que teria gostado desta resposta.