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A reacção da personagem feminina à morte do marido recordou-me imediatamente o enredo-base do filme Sous le Sable, de François Ozon, em que, depois de o marido desaparecer numa praia, a personagem de Charlotte Rampling continua a agir como se ele ainda vivesse com ela.
Percebo bem este tipo de comportamento: revelar uma informação deste género contribui para confirmar não só a sua realidade mas também a da dor que ele nos provoca. Imagino, porém, que no conto de Edith Wharton não se trate apenas de um problema de negação das evidências. A personagem de Wharton percebe rapidamente que, para além de ter de lidar com a dor que não começou ainda a sentir, se verá obrigada a resolver e dar andamento a todos os insuportáveis pormenores concretos inerentes à situação. A vida vai continuando, o comboio avançando, mas ela prefere fazer operar uma espécie de suspensão temporária de funções vitais e de obrigações, como se, entretanto, nada de mais importante pudesse ocorrer do que a chegada da dor.
Se não me engano (não tenho o livro comigo), há também um conto de Raymond Carver intitulado «Três Rosas Amarelas» que se inspira nos últimos dias de Tchékhov, e em que, perante a morte do escritor, a companheira pede ao médico que assina a autópsia para não divulgar logo essa informação, de modo a garantir algumas horas que lhe permitam despedir-se do marido em paz e sossego.