Eu tive uma tia-avó assim. Acumulava tecidos, rendas, linhas e botões numas águas-furtadas, na esperança de um dia vir a usá-los em costura. Não gostava de deitar fora nada. Fotografias, documentos e correspondência antiga da família estavam guardados no sótão. Um dia, a minha avó quis queimar a papelada toda para que segredos antigos e bem guardados não fossem descobertos pelos herdeiros que não os conheciam e os segredos desvaneceram-se em cinzas, para grande desgosto da minha tia.
Já pensei muitas vezes que há certas semelhanças entre manter um blogue e a obsessão compulsiva de acumular coisas inúteis e acho até que pode haver uma relação entre algumas manifestações artísticas e este tipo de comportamento. Estou a lembrar-me, por exemplo, das exposições de Rauschenberg e Lucia Nogueira, em Serralves, que visitei no último domingo de 2007. Estes dois artistas trabalharam com objectos encontrados, rejeitados ou perdidos por outros. Para as obras desta exposição, Rauschenberg recorreu a caixas de cartão, diferentes tipos de tecido, cordas, madeiras, couro, pedra, tubos e cabos eléctricos, para além de objectos como cadeiras, jarras, almofadas, uma banheira velha e pedaços de metal usado.
Lucia Nogueira construía as suas obras com materiais e objectos que encontrava nos passeios que dava em Londres: fragmentos de vidros azuis e brancos, esferas misteriosas, armários, arquivadores, fósforos, um lavatório de porcelana, frigoríficos desligados, cabos de borracha, uma campânula transparente, um triciclo de criança parcialmente desmontado. A relação destes objectos com o espaço era uma questão importantíssima no trabalho posterior desta artista. As esculturas parecem ser atraídas pelos cantos, fazem fila quase imperceptível ao longo de paredes. O facto de Lucia Nogueira usar muitas caixas, armários, gaiolas com a porta virada para a parede (e, portanto, inacessível), enquanto a parte de trás se encontra exposta, transmite a sensação de haver neles coisas capturadas, fechadas ou escondidas, que talvez seja preferível não ver.
Objectos e materiais parecidos com aqueles que alguns bloggers usam. Estratégias que nenhum blogger pode afirmar desconhecer.
Imagem: Ends without End, instalação de Lucia Nogueira, 1993