Conheço algumas histórias de teses desaparecidas antes de serem terminadas ou até iniciadas, mas aquela que mais me divertiu nos últimos tempos está no décimo primeiro capítulo do livro Histoires de Peintures, de Daniel Arasse (Folio).
Depois de uma tese de mestrado sobre Masolino, Arasse planeava escrever a tese de doutoramento sobre S. Bernardino de Siena. Naquele momento crítico em que a bibliografia está lida e as ideias mais ou menos organizadas, pouco antes de se começar a escrever, Arasse levava para todo o lado um saco pesado de aparência valiosa onde guardava todos os papéis e livros com que iria trabalhar. Um dia, em Florença, esse saco desapareceu-lhe da mala do carro.
Arasse conta que na altura colocou vários anúncios desesperados nos jornais e chegou a rezar a S. Bernardino pela recuperação do material perdido. Tudo em vão. Depois acrescenta que suspeita que S. Bernardino tivesse um segredo e por isso não quisesse que a tese fosse escrita. O roubo ter-se-ia dado por intercessão do santo.
Por acaso, tenho uma explicação diferente. Embora haja momentos difíceis na história de redacção de uma tese, não há nada tão horrível como o momento em que o trabalho preparatório está terminado. Logo que se tenta começar a escrever torna-se evidente que a tese genial que há meses vínhamos idealizando afinal não terá nunca existência real. Nunca estamos à altura daquilo de que nos imaginamos capazes. O início da redacção de uma tese é um momento de agora ou nunca: trata-se de optar entre viver com aquilo que somos capazes de fazer ou simplesmente passar a alimentar durante anos o que imaginamos mas somos incapazes de realizar.
Durante a redacção da tese é preciso optar permanentemente por continuar a escrevê-la em vez de parar ou destruir todos os documentos relacionados com ela. (No meu caso, todos os dias desejava secretamente que os meus gatos descobrissem um botão mágico que apagasse a tese e todas as cópias que dela tinha guardado, quando, cansados de me ver horas a fio a olhar para um écran em vez de lhes prestar a devida atenção, iam para cima do teclado. Todos os dias colocava a hipótese de abandonar o tema e escolher um assunto em que os meus esforços pudessem não me desiludir tanto.) Mas o mais difícil de tudo é começar: quanto mais se escreve, mais fácil é continuar a escrevê-la e mais custa perder o que já se conseguiu.
O segundo momento mais difícil é o da conclusão da tese: qualquer discussão de um tema pode continuar ad aeternum sem o esgotar. Há uma altura em que ou entregamos a nossa tese imperfeita ou passamos o resto da vida a tentar melhorá-la sem que isso nos faça necessariamente sentir mais satisfeitos.
Quanto a Arasse, depois da tese roubada, decidiu que não ia repetir o trabalho já feito, a investigação, as fotografias. Achou melhor mudar de tema e de orientador; e fez o doutoramento sobre uma questão diferente. Ainda hoje continua a pensar sobre S. Bernardino de Sienna, que considera um assunto apaixonante.
Cá para mim, foi Arasse que suprimiu o próprio saco. Uma tese roubada é o sonho secreto mais querido de qualquer candidato a mestrado ou a doutoramento.
Depois de uma tese de mestrado sobre Masolino, Arasse planeava escrever a tese de doutoramento sobre S. Bernardino de Siena. Naquele momento crítico em que a bibliografia está lida e as ideias mais ou menos organizadas, pouco antes de se começar a escrever, Arasse levava para todo o lado um saco pesado de aparência valiosa onde guardava todos os papéis e livros com que iria trabalhar. Um dia, em Florença, esse saco desapareceu-lhe da mala do carro.
Arasse conta que na altura colocou vários anúncios desesperados nos jornais e chegou a rezar a S. Bernardino pela recuperação do material perdido. Tudo em vão. Depois acrescenta que suspeita que S. Bernardino tivesse um segredo e por isso não quisesse que a tese fosse escrita. O roubo ter-se-ia dado por intercessão do santo.
Por acaso, tenho uma explicação diferente. Embora haja momentos difíceis na história de redacção de uma tese, não há nada tão horrível como o momento em que o trabalho preparatório está terminado. Logo que se tenta começar a escrever torna-se evidente que a tese genial que há meses vínhamos idealizando afinal não terá nunca existência real. Nunca estamos à altura daquilo de que nos imaginamos capazes. O início da redacção de uma tese é um momento de agora ou nunca: trata-se de optar entre viver com aquilo que somos capazes de fazer ou simplesmente passar a alimentar durante anos o que imaginamos mas somos incapazes de realizar.
Durante a redacção da tese é preciso optar permanentemente por continuar a escrevê-la em vez de parar ou destruir todos os documentos relacionados com ela. (No meu caso, todos os dias desejava secretamente que os meus gatos descobrissem um botão mágico que apagasse a tese e todas as cópias que dela tinha guardado, quando, cansados de me ver horas a fio a olhar para um écran em vez de lhes prestar a devida atenção, iam para cima do teclado. Todos os dias colocava a hipótese de abandonar o tema e escolher um assunto em que os meus esforços pudessem não me desiludir tanto.) Mas o mais difícil de tudo é começar: quanto mais se escreve, mais fácil é continuar a escrevê-la e mais custa perder o que já se conseguiu.
O segundo momento mais difícil é o da conclusão da tese: qualquer discussão de um tema pode continuar ad aeternum sem o esgotar. Há uma altura em que ou entregamos a nossa tese imperfeita ou passamos o resto da vida a tentar melhorá-la sem que isso nos faça necessariamente sentir mais satisfeitos.
Quanto a Arasse, depois da tese roubada, decidiu que não ia repetir o trabalho já feito, a investigação, as fotografias. Achou melhor mudar de tema e de orientador; e fez o doutoramento sobre uma questão diferente. Ainda hoje continua a pensar sobre S. Bernardino de Sienna, que considera um assunto apaixonante.
Cá para mim, foi Arasse que suprimiu o próprio saco. Uma tese roubada é o sonho secreto mais querido de qualquer candidato a mestrado ou a doutoramento.