Ando a ler uma tradução de Walser que saiu em 2005: Jakob Von Gunten. Não sou grande leitora de saídas recentes. Para dizer a verdade, os motivos que me fazem escolher um livro relevam muitas vezes da natureza do capricho. Desta vez, por exemplo, peguei no romance de Walser simplesmente por ter encontrado estas duas belíssimas capas num blogue.
Ainda vou muito no início. Para já, no passo que se segue, gostei imenso da relação inusitada que se estabelece entre contar histórias, estar deitado na cama vestido e calçado e infringir os regulamentos:
«Nós, eu e ele, muitas vezes nos deitamos juntos na cama do meu quarto, vestidos, sem tirar os sapatos, e fumamos cigarros, o que vai contra os regulamentos. Schacht gosta de infringir os regulamentos, e eu, digo-o abertamente, não gosto menos. Contamos grandes histórias um ao outro, enquanto estamos assim deitados, histórias da vida, ou seja, reais, mas sobretudo histórias inventadas com acontecimentos que apanhamos do ar. E então à nossa volta tudo parece levemente ressoar num movimento ascendente e descendente ao longo das paredes. O quarto estreito e escuro estende-se, surgem estradas, salões, cidades, palácios, pessoas e paisagens desconhecidas, trovões e sussurros, prantos e conversas, e assim por diante.»
Trad. Isabel Castro Silva, Relógio d’Água, p. 15