«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Fernando Pessoa desconhecido

Relações esperadas e inesperadas podem ser reveladoras de aspectos menos visíveis dos elementos entre os quais se estabelece relação? A exposição Weltliteratur, na Gulbenkian até 4 de Janeiro, trabalha com esta hipótese. Assumido como eixo central da exposição, Fernando Pessoa é mostrado enquanto paradigma do autor com facetas importantes por conhecer.

Se Pessoa escrevesse agora, talvez tivesse um blogue em que publicasse, quem sabe se em articulação com imagens muito semelhantes àquelas que aparecem na primeira sala desta exposição, algumas das coisas que agora encontramos reunidas no Livro do Desassossego:
«E, hoje, pensando no que tem sido a minha vida, sinto-me qualquer bicho vivo, transportado num cesto de encurvar o braço, entre duas estações suburbanas.» ou «Sou uma criança, com uma palmatória acesa, que atravessa, de camisa de noite, uma grande casa deserta.», ou ainda «Faço a paisagem ter para mim os efeitos da música, evocar-me imagens visuais […]. O meu triunfo máximo no género foi quando, olhando para o Cais do Sodré nitidamente o vi um pagode chinês com estranhos guizos nas pontas dos telhados como chapéus absurdos […].» E, contudo, encontro mais vezes comentários ou citações deste livro em blogues ingleses e americanos do que em blogues portugueses. Fora de Portugal lê-se o Livro do Desassossego. Em Portugal, o conhecimento de Pessoa parece esgotar-se na discussão do folclore dos heterónimos. Logo na primeira sala da exposição, no entanto, os três belíssimos fragmentos do Livro do Desassossego expostos lembram que neste livro tão pouco lido e discutido entre nós estão alguns dos melhores textos do autor. Será que os estrangeiros compreendem Pessoa melhor do que os portugueses?


Pormenor da peça Fernando Pessoa, de Richard Serra

No contexto da recepção de Pessoa fora de Portugal, para além das relações propostas de forma explícita ou implícita na exposição Weltliteratur, tomando o Livro do Desassossego como elo de ligação, chega mesmo a ser possível estabelecer uma outra relação inesperada, entre Lisboa e Londres, mais especificamente entre a Gulbenkian e a Gagosian Gallery, onde está patente uma exposição mostrando obras de Richard Serra, uma das quais intitulada Fernando Pessoa.
Questionado sobre a escolha do título desta peça, Serra classifica a ligação entre o trabalho e Fernando Pessoa como «tangencial»: estava a ler o livro na altura em que construiu a peça; não se deve atribuir demasiada importância aos títulos, diz o artista.
Parece-me que a explicação de Serra para o título da peça chama a atenção para um factor que deve ser tomado em consideração pelos visitantes da exposição em Lisboa. Não se deve atribuir demasiada importância aos títulos mas o título da peça de Serra é aquele porque o artista estava a ler o Livro do Desassossego: estabelecer relações, perceber relações, não são processos lineares de simples observação mas dependem sempre de um processo de construção particular que cada um joga com o que sabe e o que tem. As relações propostas espacialmente entre imagens e textos de Pessoa e de outros autores na exposição Weltliteratur configuram um percurso de descoberta, não de recepção passiva.

Gagosian Gallery

Ler uma entrevista ao Prof. António Feijó, comissário da exposição na Gulbenkian.

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