«This is/what the
living do: go in.»
«San
Sepolcro», Jorie Graham
Tudo começou no dia em
que saí, esquecendo-me de levar as chaves de casa. Tive as chaves na mão, mas
esqueci-me delas. Fiquei de fora. Fiquei à espera. Verificou-se também alguma
indecisão sobre o desejo de entrar. E se nunca mais entrasse naquilo em que
todos os outros participam?
Meses após este
percalço, já depois de ter entrado e saído muitas vezes na mesma casa, num dia
de manhã, a seguir ao pequeno-almoço, a porta da casa de banho simplesmente
deixou de abrir. O incidente não foi grave: se tivesse ficado fechada lá dentro,
sem contacto com o exterior, teria de esperar pelo fim do dia, até alguém
regressar. Mas, mais uma vez, estava do lado de fora: só não conseguia entrar.
Depois de tentarmos
várias vezes abrir a porta à força, sem sucesso, B. lembrou-se de um truque com
uma capinha de plástico. Sem grande estardalhaço, a capinha azul venceu o
trinco da porta e esta abriu-se. A partir daí mantivemos esta porta aberta e
decidimos mudar de casa.
Durante a procura de
casa houve mais incidentes com portas.
Na primeira casa de que
gostámos, um primeiro andar nos Anjos, as traseiras da casa tinham um jardim de
inverno em frente ao qual passava uma escada de incêndio. Nesta casa, não me
sentia segura visto que qualquer pessoa podia passar por ali, partir os vidros
e entrar.
Na segunda casa de que
gostámos, na zona do Saldanha, a sala de jantar tinha uma porta para o corredor
que os proprietários tinham bloqueado, do lado de dentro da sala, por um
aparador, e também, do lado do corredor, por uma espécie de bengaleiro grande,
numa posição estranha. O excesso de bloqueios, por dentro e por fora, suscitou
dúvidas. Seria uma porta pertencente a um fantasma, uma espécie de portal para
outra dimensão?
Uma casa de Alvalade
tinha um logradouro a que se tinha acesso por um corredor escuro que ninguém
percorria há muito tempo. A porta estava emperrada: quando finalmente a abrimos,
depois de um empurrão com mais força, levantou-se uma nuvem de sementes,
libertadas pelas ervas secas e altas. B. avisou-me para ter cuidado com as
alergias. No primeiro andar, alguns elementos da família, incluindo um beagle
desconfiado, vieram à janela para ver o que andávamos a fazer lá em baixo.
Pareciam encarar o logradouro como uma lembrança distante.
Na última visita dos
compradores da nossa casa, a porta do elevador não abriu. Tinham entrado quatro
pessoas e este bloqueara com o peso. Os compradores passaram cerca de vinte
minutos dentro do elevador, até chegar o apoio técnico. Depois saíram do
elevador directamente para nossa casa, aliviados, e fizeram a visita final.
Obviamente, neste
percurso, a última porta fechada aconteceu quando, já depois de tudo ser
transferido para a nova casa, com a casa antiga já vazia, saímos, fechando a
porta, e nunca mais pudemos voltar. Na casa nova parece ter desaparecido uma
das chaves, mas sou eu que secretamente ando com ela sempre dentro do bolso,
para nunca mais ter de ficar de fora.