«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Animais pouco reais

Houve um tempo em que acreditámos ser possível viver sem nunca ter os pés assentes no chão. O próprio Lineu, pai da taxonomia moderna, deixou um sinal dessa percepção.
A primeira vez que um europeu viu uma ave-do-paraíso foi em África, no início do séc. XVI, por intermédio de um comerciante dessas paragens. As aves-do-paraíso tornaram-se famosas porque os povos africanos as usavam como moeda de troca em transacções comerciais com os navegadores que frequentavam essas rotas em busca de especiarias.
Apesar da magnífica plumagem que os machos da espécie ainda hoje ostentam, os comerciantes africanos de então, pensando que os poderiam tornar ainda mais belos e valiosos aos olhos europeus, cortavam as patas a todos os exemplares que disponibilizavam. Foi assim que entre os europeus destes tempos se passou a acreditar que estes pássaros deveriam ser próximos da divindade, talvez até seus intermediários, pois, não tendo patas, não poderiam pousar na terra e fazer parte dela.
Muitos séculos passaram até um europeu conseguir observar um exemplar vivo e intacto desta espécie tão tímida e difícil de localizar. A designação Paradisea apoda foi-lhe atribuída por Lineu apenas a partir dos exemplares conhecidos através destes intermediários.
Apoda significa «sem pés». Mesmo Lineu terá acreditado na possibilidade de estas aves serem seres exclusivamente do ar. Hoje em dia, porém, ao contrário de Lineu, nós não só já não acreditamos ser possível viver sem nunca ter os pés assentes no chão, como partimos quase sempre do princípio de que, se nos oferecem coisas belas, é bastante provável que lhes tenham previamente mutilado os membros inferiores, de modo a retirar-lhes as pernas para andar.

 

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