Para mim, alguns dos passos mais inesquecíveis da Recherche são as descrições de Odette enunciadas a partir do ponto de vista de Swann: os desvios em relação aos padrões de beleza que o esteta cultiva acabam por atrair ainda mais a sua atenção relativamente àquela com que acabará por casar.
Gosto muito da noção de alguém a descrever uma pessoa que o interessa apesar de não corresponder a padrões convencionais. Tenho pensado nisto porque, um pouco por acaso, venho ultimamente encontrando várias descrições de beleza feminina imperfeita nas coisas que ando a ler.
Não me consigo lembrar de muitos retratos deste género e tenho até a suspeita de que só grandes escritores são capazes de captar de forma superior não só a mistura subtil de atracção e repulsa suscitada por um objecto de desejo imprevisto, mas também a investigação que tal desconcerto pode desencadear.
Gosto muito da noção de alguém a descrever uma pessoa que o interessa apesar de não corresponder a padrões convencionais. Tenho pensado nisto porque, um pouco por acaso, venho ultimamente encontrando várias descrições de beleza feminina imperfeita nas coisas que ando a ler.
Não me consigo lembrar de muitos retratos deste género e tenho até a suspeita de que só grandes escritores são capazes de captar de forma superior não só a mistura subtil de atracção e repulsa suscitada por um objecto de desejo imprevisto, mas também a investigação que tal desconcerto pode desencadear.
Na descrição de Nabokov gosto da noção de expansão desordenada da carne:
«Mas havia um [retrato] que dominava todos com a moldura fantasista cravejada de granadas; mostrava a três quartos uma magra e morena jovem com vestido justo, olhos corajosos e cabelo farto. […] Sim, porque ela mesma é quem ali estava – embora os meus olhos tentassem devassar-lhe as formas actuais, sem nenhum êxito, para extrair delas a graça daquela criatura que lá tinham metido dentro.»
(Na outra Margem da Memória, trad. Aníbal Fernandes, Difel, p. 90)
Na descrição de Kosztolányi agradam-me os efeitos do tempo e da corrupção:
«Na verdade, que magnífico animal [Orosz Olga] não era, que gatinha, sem fé, nem lei. E já não era jovem. Passara os trinta, talvez os trinta e cinco. Mas a carne era flácida, voluptuosa e cansada, como se as inúmeras camas estrangeiras, os inúmeros braços estrangeiros, a tivessem adoçado, e o rosto era suave, como a polpa de banana, os seios como dois breves cachos de uvas. Habitava nela uma espécie de inocência a corromper-se, o definhamento iminente e a poesia da morte. Expirava o ar, como se lhe queimasse a boca, como se, na pequena boca devassa, lambesse uma guloseima, saboreasse um champanhe.»
(Cotovia, trad. Ernesto Rodrigues, D. Quixote, p. 89)
(Cotovia, trad. Ernesto Rodrigues, D. Quixote, p. 89)