Nem sempre fui a péssima ouvinte de música que hoje sou mas nunca fui uma melómana fiável. Quando compro um disco, encontro invariavelmente uma ou duas faixas que ouço em repeat até à exaustão, esquecendo as outras. Não é bonito.
Vivo numa casa com muitos discos de Leonard Cohen, mas não acho que ele seja «um dos maiores artistas de sempre», como ouvi anunciado na televisão a propósito do concerto de hoje. (Prefiro, sei lá, Proust e Miguel Ângelo.) Nem sequer gosto especialmente da voz dele. Ouço muitas vezes First We Take Manhattan e Famous Blue Raincoat, mas, sacrilégio pop, optando frequentemente pelas versões de Jennifer Warnes. É verdade que certo Verão pouco mais ouvi para além da faixa Take This Waltz; hoje, contudo, não consigo ouvi-la duas vezes seguidas.
Imagem de Linda Troeller
Seria incapaz de comparar a audição de um disco a uma experiência religiosa. A única experiência religiosa de que me lembro é a de ter desmaiado numa igreja na adolescência durante uma missa a que assisti sem tomar o pequeno-almoço, depois de uma noite com poucas horas de sono, num dia muito quente, ao mesmo tempo que estranhamente me recordava de uns versos de Chuva Oblíqua.
Para momentos mesmo críticos, reconheço, no entanto, que guardo no computador uma pasta com algumas músicas que não só me desconcentram como perturbam os gatos, não podendo ser ouvidas a não ser com um volume bastante elevado. E uma delas, por acaso, é de Leonard Cohen.
PS: Nada a fazer, Henrique. O problema é a minha alma ter um fundo pop que não consigo ignorar e com que, para dizer a verdade, até simpatizo.