«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

2012 em livros

Como de costume, publico aqui listas de algumas das coisas de que mais gostei este ano
Escrevi «livros» ali em cima mas esta é uma lista de ficção. Em 2012 li uma quantidade inaudita de ensaios, alguns excelentes, outros nem por isso. No entanto, visto que todos se relacionam com caprichos académicos, desta vez prefiro poupar os incautos leitores às minhas apreciações.

Por simples curiosidade ociosa, estive a fazer contas em relação aos últimos cinco anos e tenho lido em média entre 40 a 50 livros de ficção anualmente. Acho que o meu hábito de ler ficção antes de adormecer mesmo quando passei o dia a ler outro tipo de livro ajuda a explicar esta regularidade de resultados.
Este ano, apesar de só destacar seis romances, o número de livros lidos manteve-se. Fico, contudo, com a impressão de que  houve períodos anteriores em que gostei mais do que li, talvez por ter investido mais tempo na selecção.

Habitualmente  não presto muita atenção a saídas recentes em Portugal nem organizo as minhas leituras de acordo com esse ritmo.  Em 2013, no entanto, espero ler mais ficção portuguesa recente. Fica aqui este pedaço de wishful thinking.
 
 

Annie John, de Jamaica Kincaid

Em 2012 li mais livros escritos por Jamaica Kincaid, mas o livro dela de que mais gostei foi lido no ano passado, apesar de não ter aparecido na lista. Não esqueci o primeiro capítulo de Annie John desde que o ouvi num dos muito recomendáveis podcasts de ficção da revista New Yorker. (Para quem não conhece, nestas emissões de periodicidade mensal, um escritor é convidado a escolher um conto do arquivo da revista para ler em voz alta. Não só os textos costumam ser muito bons como a própria conversa que antecede e segue a leitura tem interesse.)
Louise Erdrich disse uma vez que sempre que lê Virginia Woolf repara no esforço que esta escritora faz, por uma questão de educação e de delicadeza, para não soar muito zangada apesar do ressentimento mal contido que é possível perceber nas suas palavras. Neste aspecto, Jamaica Kincaid está no extremo oposto de Virginia Woolf. Não só expressa sem pudor toda a fúria que mesmo as situações mais comezinhas suscitam às suas personagens, como usa esse sentimento para iluminar a narrativa com uma estranheza que torna tudo mais curioso.


 
 
Great House, de Nicole Krauss
 
É intrigante como um livro tão sugestivo do ponto de vista visual ainda não teve direito a uma única capa bonita. Reparei neste romance da nova-iorquina Nicole Strauss por acaso na Fnac. Muito bem escrito, surpreendentemente complexo, tem a ver com a relação entre a identidade pessoal e os objectos que cada um vai usando ao longo da vida. A profissão de uma das personagens consiste em recuperar objectos que as pessoas um dia perderam.
Li depois o mais conhecido The History of Love, mas não achei tão bom.
 




An Artist of the Floating World, de Kazuo Ishiguro

Em geral, não simpatizo com narradores pouco dignos de confiança (vulgo «unreliable narrators»), mas neste romance a supressão de informação pode ser entendida como uma das manifestações da melancolia da personagem principal. O narrador não consegue articular toda a verdade de que mais ou menos vamos suspeitando.



Crusoe’s Daughter, de Jane Gardam

A história conta-se facilmente: trata-se das aventuras e desventuras, desde a infância até à idade adulta, de uma personagem feminina que procura sobreviver usando como guia as estratégias do protagonista do seu livro preferido (Robinson Crusoe). Neste percurso obtém resultados irregulares.
Gostei principalmente das personagens das tias da protagonistas, tão desfasadas do mundo como todas as personagens realmente dignas de lembrança.


 
Open City, de Teju Cole
 
Decidi comprar este romance por ter lido que assentava na narrativa dos passeios do protagonista por Nova Iorque. Estes passeios e as meditações que desencadeiam têm, no entanto, uma pulsão a que vou chamar «sebaldiana» não só por saber que Teju Cole admira Sebald, mas também devido à preocupação com o que, porque se perdeu para sempre (grupos de pessoas que foram objecto de violência), tem de ser imaginado porque nunca poderá ser conhecido completamente de modo objectivo.
 


 
 

Barnaby Rudge, de Charles Dickens

O meu décimo romance de Dickens. Apesar de não ser dos livros mais conhecidos do autor, passou a fazer parte do grupo dos meus preferidos, com Bleak House, Great Expectations, A Tale of Two Cities e Our Mutual Friend. Em Barnaby Rudge, gostei sobretudo da invulgaridade das personagens, das descrições da taberna Maypole e da preparação e do rescaldo dos tumultos em Londres.
Por outro lado, não consigo gostar nem de Hard Times nem de David Copperfield, dois dos romances mais valorizados e estudados do escritor.
 


 
 

Livros que ficaram aquém das expectativas




The Marriage Plot, de Jeffrey Eugenides
The Chemistry of Tears, de Peter Carey
Bomarzo, de Manuel Mujica Láinez


Três casos de boas ideias que correram mal. Nos três exemplos achei extremamente irritante o tom infantilóide dos narradores. Quanto a Bomarzo especificamente, não há paciência para romances supostamente históricos, porém narrados em tom contemporâneo, sem qualquer noção do espírito da época, quer por opção consciente do autor, quer por incapacidade deste. Não vou dizer nada sobre Peter Carey.
 
 
 

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