Como de costume, publico aqui listas de algumas
das coisas de que mais gostei este ano
Escrevi «livros» ali em cima mas esta é uma
lista de ficção. Em 2012 li uma quantidade inaudita de ensaios,
alguns excelentes, outros nem por isso. No entanto, visto que todos se
relacionam com caprichos académicos, desta vez prefiro poupar os incautos leitores às minhas
apreciações.
Por simples curiosidade ociosa, estive a fazer
contas em relação aos últimos cinco anos e tenho lido em média entre 40 a 50
livros de ficção anualmente. Acho que o meu hábito de ler ficção antes de
adormecer mesmo quando passei o dia a ler outro tipo de livro ajuda a explicar
esta regularidade de resultados.
Este ano, apesar de só destacar seis romances, o
número de livros lidos manteve-se. Fico, contudo, com a impressão de que houve períodos anteriores em que gostei mais
do que li, talvez por ter investido mais tempo na selecção.
Habitualmente não presto muita atenção a saídas recentes em Portugal nem organizo as minhas leituras de acordo com esse ritmo. Em 2013, no entanto, espero ler mais ficção portuguesa
recente. Fica aqui este pedaço de wishful thinking.
Annie John,
de Jamaica Kincaid
Em 2012 li
mais livros escritos por Jamaica Kincaid, mas o livro dela de que mais gostei
foi lido no ano passado, apesar de não ter aparecido na lista. Não esqueci o
primeiro capítulo de Annie John desde que o ouvi num dos muito recomendáveis
podcasts de ficção da revista New Yorker. (Para quem não conhece, nestas
emissões de periodicidade mensal, um escritor é convidado a escolher um conto
do arquivo da revista para ler em voz alta. Não só os textos costumam ser muito
bons como a própria conversa que antecede e segue a leitura tem interesse.)
Louise
Erdrich disse uma vez que sempre que lê Virginia Woolf repara no esforço que
esta escritora faz, por uma questão de educação e de delicadeza, para não soar muito zangada
apesar do ressentimento mal contido que é possível perceber nas suas palavras. Neste
aspecto, Jamaica Kincaid está no extremo oposto de Virginia Woolf. Não só expressa
sem pudor toda a fúria que mesmo as situações mais comezinhas suscitam às suas
personagens, como usa esse sentimento para iluminar a narrativa com uma
estranheza que torna tudo mais curioso.
Great House,
de Nicole Krauss
É intrigante
como um livro tão sugestivo do ponto de vista visual ainda não teve direito a
uma única capa bonita. Reparei neste romance da nova-iorquina Nicole Strauss
por acaso na Fnac. Muito bem escrito, surpreendentemente complexo, tem a ver
com a relação entre a identidade pessoal e os objectos que cada um vai usando
ao longo da vida. A profissão de uma das personagens consiste em recuperar
objectos que as pessoas um dia perderam.
Li depois o
mais conhecido The History of Love, mas não achei tão bom.
An Artist of the Floating World, de Kazuo Ishiguro
Em geral,
não simpatizo com narradores pouco dignos de confiança (vulgo «unreliable
narrators»), mas neste romance a supressão de informação pode ser entendida
como uma das manifestações da melancolia da personagem principal. O narrador
não consegue articular toda a verdade de que mais ou menos vamos suspeitando.
Crusoe’s
Daughter, de Jane Gardam
A história
conta-se facilmente: trata-se das aventuras e desventuras, desde a infância até
à idade adulta, de uma personagem feminina que procura sobreviver usando como
guia as estratégias do protagonista do seu livro preferido (Robinson Crusoe).
Neste percurso obtém resultados irregulares.
Gostei
principalmente das personagens das tias da protagonistas, tão desfasadas do
mundo como todas as personagens realmente dignas de lembrança.
Open City, de Teju Cole
Decidi
comprar este romance por ter lido que assentava na narrativa dos passeios do
protagonista por Nova Iorque. Estes passeios e as meditações que desencadeiam
têm, no entanto, uma pulsão a que vou chamar «sebaldiana» não só por saber que
Teju Cole admira Sebald, mas também devido à preocupação com o que, porque se
perdeu para sempre (grupos de pessoas que foram objecto de violência), tem de ser imaginado porque nunca poderá ser conhecido completamente de modo objectivo.
Barnaby
Rudge, de Charles Dickens
O meu décimo
romance de Dickens. Apesar de não ser dos livros mais conhecidos do autor, passou
a fazer parte do grupo dos meus preferidos, com Bleak House, Great
Expectations, A Tale of Two Cities e Our Mutual Friend. Em Barnaby Rudge,
gostei sobretudo da invulgaridade das personagens, das descrições da taberna
Maypole e da preparação e do rescaldo dos tumultos em Londres.
Por outro
lado, não consigo gostar nem de Hard Times nem de David Copperfield, dois dos
romances mais valorizados e estudados do escritor.
Livros que
ficaram aquém das expectativas
The Marriage Plot, de Jeffrey Eugenides
The Chemistry of Tears, de Peter CareyBomarzo, de Manuel Mujica Láinez
Três casos de boas ideias que correram
mal. Nos três exemplos achei extremamente irritante o tom infantilóide dos
narradores. Quanto a Bomarzo especificamente, não há paciência para romances supostamente históricos, porém narrados em tom
contemporâneo, sem qualquer noção do espírito da época, quer por opção
consciente do autor, quer por incapacidade deste. Não vou dizer nada sobre Peter Carey.