Gostei destes livros por serem tão pouco
convencionais e tão diferentes do que se publica por aí (não só em Portugal,
valha a verdade). Tanto Leonora Carrington como Jane Bowles tiveram
existências invulgares, cheias de acidentes e reviravoltas, à semelhança das
personagens destes livros. A diferença e as singularidades destas personagens e
escritoras não são nem poses nem opções; são inevitáveis. Em vez de tentarem
abafá-las, escritoras e personagens aceitam-nas, apesar de esta opção implicar efeitos imprevisíveis.
[A título de curiosidade, se li o livro de Leonora
Carrington, mais conhecida como artista visual, foi porque o descobri aqui. Onde
menos se espera está uma sugestão de boa leitura.]
Apesar de não ser a maior fã de Alice Munro
(gosto, mas não é das minhas escritoras preferidas), cheguei a este livro
depois de ler uma entrevista em que Munro o cita como obra-prima. Muito se
falou este ano da valorização da categoria do conto implícita na atribuição do
Nobel da Literatura a Alice Munro. The Golden Apples é um livro de contos que
pode ser lido como romance se quisermos encaixar estes textos como num puzzle
(tarefa que não é imprescindível e pode até ser considerada dispensável). Esta
circunstância sugere uma certa porosidade nas fronteiras dentro do género
narrativo.
Em boa hora o romance Speedboat, de Renata Adler,
originalmente publicado em 1976, foi
recuperado na colecção da New York Review of Books (com um blogue muito recomendável), que propõe uma selecção
primorosa de livros um pouco esquecidos
a que se pode recorrer com confiança quando se quer ler alguma coisa
interessante. Em Speedboat reconheço uma atmosfera que recorda o filme Os
Homens do Presidente, de Alan J. Pakula. Imagino as personagens vestidas da
mesma maneira, com um estilo casual, sem ser desleixado. Speedboat não é
propriamente um livro de intriga política, mas a protagonista é jornalista. O
traço distintivo deste romance é progredir por vinhetas em vez de assumir uma
linearidade narrativa sem interrupções. Estabelece-se um contraste entre, por
um lado, uma atmosfera de ansiedade intensa e, por outro, a extrema contenção
do estilo: as maiores tempestades emocionais são tratadas com calma aparente.
Speedboat é um livro bastante diferente de
Leaving the Atocha Station, de Ben Lerner. O segundo tem um narrador para o
qual os episódios mais insignificantes são motivo de ataques de pânico ou de delírios
ansiosos. Em comum entre os livros de Ben Lerner e de Geoff Dyer (que, aliás,
escreveu sobre o romance de Lerner no Guardian), uma certa honestidade em relação aos efeitos da ansiedade. Dyer escreveu
sobre a tentativa de escrever um ensaio sobre D. H. Lawrence. Uma das
características que tornam este livro tão interessante depende da recusa
corajosa de Geoff Dyer de se deixar limitar por fronteiras convencionais entre
géneros. Distinguindo-se de um ensaio académico sobre literatura sobretudo pela
atenção às impressões e experiências do seu autor, embora ao mesmo tempo
escapando aos moldes tradicionais de géneros mais autobiográficos, Out of Sheer
Rage explora os altos e baixos e os avanços e recuos da actividade de escrever,
acabando assim por reflectir melhor sobre esta do que muitos textos académicos mais
ambiciosos e supostamente mais sérios.
Este senhor escreve muito bem. É tudo o que há a
dizer sobre este livro.
A ensaísta que mais li em 2013.