Os dois filmes que mais gostei de ver em sala
foram duas magníficas reposições: Vertigo, de Hitchcock, e Viagem a Tóquio, de
Ozu.
Por motivos académicos e por gosto pessoal, já
vi mesmo muitas vezes alguns filmes de Hitchcock, entre os quais Vertigo. Não
haja dúvida, no entanto, que ver este filme numa sala de cinema a sério revela
quase um filme diferente. Temos de proteger os nossos cinemas, meus amigos.
Nunca tinha visto muito Ozu, mas sofri uma
conversão instantânea à obra do cineasta quando vi Viagem a Tóquio. Uma das
coisas mais admiráveis neste filme é a capacidade do realizador para gerir as
diferenças de todos os elementos de uma família, com todas as suas crueldades
ou bondades, evitando estereótipos e facilidades.
AS QUATRO ESTREIAS EM SALA DE QUE MAIS GOSTEI
Like Someone in
Love, Abbas Kiarostami
Em comum entre Ozu e Kiarostami encontramos os
espaços cheios de objectos que tanto podem facilitar-nos a vida como ser
obstáculos ou empecilhos no nosso caminho, fazer-nos perder tempo, ajudar-nos a
explicar quem somos e como vivemos, ou até ajudar-nos a fingir que somos quem
não somos. Interessam-me filmes que retratam o quotidiano e revelam elementos intrigantes na sua normalidade aparente, fazendo-nos prestar mais
atenção à vida de todos os dias. (Não podia estar mais distante das pessoas que
acham que o cinema que filma a vida de todos os dias é um não-cinema, como
já li a propósito de alguns filmes de Alain Cavalier.)
The Master, Paul Thomas Anderson
Personagens estranhíssimas, anti-heróicas, que
estabelecem entre si relações difíceis de definir. Sobre que é este filme
exactamente? Não sei responder nem acho a resposta muito importante.
Frances
Ha, Noah Baumbach
Um filme um tanto desequilibrado, com alguns ingredientes irritantes (Nova Iorque a preto e branco, certa ambição de ser o retrato de uma geração) que o transformam numa espécie de clássico instantâneo, Frances Ha consegue, ainda assim, ter momentos que muitos de nós já viveram, com destaque tanto para a sequência da viagem a Paris da protagonista, incluindo o jantar desconfortável que a desencadeia, como a sequência da procura de uma caixa multibanco que funcione quando é mesmo necessário levantar dinheiro.
Não tenho a certeza sobre a ideia, muito
discutida a propósito deste filme, de que a dada altura da nossa vida
precisamos de aceitar que nunca vamos ser quem queremos ser. De certo modo,
seria mais fácil assim, mas não só o que somos e o que queremos ser está sempre
em transformação, como também temos de lutar a vida inteira, todos os dias, para
percebermos quem somos e quem realmente queremos ser. Não me
parece que haja um momento na vida em que podemos descansar desta tarefa.
A Rapariga de Parte Nenhuma, Jean-Claude
Brisseau
Um filme quase de terror, sobre a morte e outras
forças negativas. Nenhum realizador vivo me assusta mais do que Brisseau.
OUTROS
Apesar de haver cada vez mais filmes iguais uns
aos outros, totalmente previsíveis, este ano ainda foi possível ver em sala de
cinema alguns filmes bastante invulgares.
-Dans la maison,
François Ozon
-Stories We Tell,
Sarah Polley
-Camille Claudel,
Bruno Dumont
-Post Tenebras Lux, Carlos Reygadas
-Holy Motors, Leos
Carax
-Fausto, Sokurov
-In Another
Country, Hong Sang-Soo
-A Rapariga do 14 de Julho, Antoine Peretjako
-Mélo, Alain Resnais
-Vous n’avez encore rien vu, Alain Resnais
-Un homme et une
femme, Claude Lelouch
-Madame de…, Max Ophuls
-Bom Dia, Ozu
CINEMATECA, FESTIVAIS, ETC.
-Museum Hours, Jem Cohen
-I Walked with a
Zombie, Jacques Tourneur
-Cortina Fechada, Jafar Panahi
-La Rencontre, Alain Cavalier
-The Woman in the
Window, Fritz Lang
CAIXAS
-Victor Erice
- João César Monteiro
Vejo Erice como cineasta do Norte: do frio, do nevoeiro, da humidade, da luz cinzenta, dos casacos sobre camisolas – e de tudo o que se sente neste tipo de atmosfera que encontramos tanto em El Sur como em O Espírito da Colmeia. Quase fico contente pelo facto de El Sur não ter a secção mais solar e menos melancólica prevista inicialmente.
Nota Tenciono ver mais dois ou três filmes
este ano, caso haja tempo e energia. Se for caso disso, essas referências hão-de
aparecer aqui.