«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Uma questão de casting


Encontro uma das opções de casting mais interessantes que me lembro de ter visto em cinema nos últimos tempos na escolha de Kathy Bates para encarnar o papel de Mrs. Helen Givings no filme Revolutionary Road, de Sam Mendes.
Kathy Bates - que em 1991 recebeu o Óscar e o Globo de Ouro para melhor actriz num papel principal enquanto Annie Wilkes, a inesquecível protagonista do filme Misery, realizado por Rob Reiner a partir do romance de Stephen King em que uma fã psicopata sequestra o escritor preferido para o obrigar a escrever aquilo que ela quer - desempenha, em Revolutionary Road, o papel de uma vendedora imobiliária com um discurso pejado dos lugares-comuns habituais ao contexto social que marca o filme.

No filme, a inadequação à realidade do discurso e do comportamento da vendedora imobiliária de Revolutionary Road está evidente para quem a quiser perceber (na personagem do filho, doutorado em matemática mas a receber tratamento psiquiátrico relacionado com electrochoques, no carácter apagado e passivo do marido, no modo como o que percebemos daquele universo parece escapar a tudo o que ela diz sobre ele), mas a simples presença física de Kathy Bates contribui para acentuar o quanto há de perturbador numa personagem aparentemente tão convencional e tão integrada.

Vale sempre a pena chamar a atenção para estas personagens que persistem em encarnar e defender um modo de vida ideal e desajustado, apesar de quase tudo o que se passa em torno delas indiciar que estão erradas. É importante reflectir sobre o papel delas, mesmo quando parecem secundárias. Quem estiver atento verá que é ali que reside o rosto mais puro do terror.


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